Reflexões de uma imigrante

Outro dia estava lendo um artigo sobre como a pessoa que vive no exterior e volta para o Brasil não se acostuma mais a morar em terras tupiniquins. Aquilo ficou na minha cabeça. Já morei fora, voltei pra o Brasil e saí novamente. Portanto, posso falar com conhecimento de causa que não é uma questão de acostumar ou não. Nós podemos nos adaptar em qualquer lugar, é só querer. A causa é muito mais complexa e, para entender realmente, é preciso viver a situação.

Para mim a forma mais simples de explicar esse sentimento é comparando o imigrante a uma planta.

Imagine uma árvore que nasceu e cresceu num lugar cercada de outras árvores que ali estão a décadas ou centenas de anos. Ela está acostumada com o clima, com o canto dos pássaros e com a companhia das outras. A situação é, de uma certa forma, confortável.

Um dia, por qualquer razão, uma muda foi feita de um dos seus galhos. Essa muda foi para longe, para uma terra onde cantam outros pássaros, onde o solo tem outro gosto e o clima parece inóspito. Mas como todo ser vivo, a mudinha luta para sobreviver. Devagar ela finca raiz, vai aprendendo como driblar o clima e a gostar dos novos nutrientes que a alimentam. Mas lá no fundo um pedaço dela ficou para trás, e ela sente essa falta.

Agora o tempo passou e a muda virou outra árvore, com sementes que caíram e brotaram ao seu redor. A saudade continua, dói as vezes. Ela aprendeu a viver diferente mas também é capaz de viver onde vivia antes. Tem horas que pensa em voltar, mas entende que mesmo com toda a dificuldade de ser uma planta diferente em cada estação do ano, os nutrientes dessa nova terra vão lhe fazer crescer mais forte e mais bonita. Então, ela fica.

Alguns imigrantes conseguem ficar tempo suficiente para criar raízes e se readaptar, outros não querem conviver com a dor de estar longe e voltam. Mas no fundo, no fundo, assim como a muda não pode ser colada na planta de origem, o imigrante será sempre dois pedaços de uma mesma pessoa, um em cada canto. E como temos um pouco de nós lá e cá, nunca nos sentiremos completos em lugar nenhum, um pedaço nosso sempre vai faltar.

Fotos: domínio público

Livi

Baiana expatriada em Toronto. Adora escrever sobre suas viagens em família e experiência de vida em Toronto

Você pode gostar...

15 Resultados

  1. Kleber disse:

    Na minha visão, o imigrante é aquele que adota um país como a sua pátria.

    Olho então para os tantos que foram para o Brasil e de lá não saem, italianos, espanhóis, japoneses, alaemães, etc. A razão: porque no Brasil sentem-se menos “estrangeiros” depois de tanto tempo morando lá.

    E é o sentimento que tenho tendo imigrado para cá (Canada) faz 20 anos: sinto-me mais “em casa” aqui apesar de toda a minha família estar no Brasil e de adorar estar com eles.

    Mas faço questão de visitar a minha terra natal com uma certa freqüencia. Afinal são minhas raízes e a gente não as perde nunca.

    • Livi disse:

      Concordo contigo. Eu também me sinto muito mais em casa aqui e não tenho nenhuma vontade de voltar, apesar de conviver com o sentimento que tem um pedaço de mim (minha família) que sempre vai estar longe.

  2. Janaliz disse:

    Exatamente assim, nunca 100% feliz, sempre faltando um pedaço.

    Descrição perfeita.

    Parabéns.

  3. Maria Teresa disse:

    Oi Live, meu nome é Maria Teresa e fui para p Canadá no inicio de junho de 2015, passar um tempo com minha filha que ja estava morando, estudando e trabalhando em Toronto no inicio eu voltaria em dezembro,mas a saudade foi tanta que voltei no inicio de outubro e minha filha que foi para ficar acabou voltando comigo, sinto saudades desse lindo lugar, mas nao penso em voltar. Um grande abraço e feliz 2016 a todos.

  4. Geraldo Magella disse:

    Fantastico o texto. Compartilhei no facebook. Parabéns pela escrita! Tamanho, metrica e sentimentos perfeitos!

  5. Eliane disse:

    Adorei!!!!

  6. Soraya Carloto disse:

    Oi Liv.. Nossa as tuas palavras expressam esatamente como eu me sinto. Meu coração se sentia assim mas eu não sabia como me expressar e as tuas palavras são perfeitas. Morei quase 15 anos na Itália, casei ( marido Brazuca), tivemos um filho e agora achamos que era hora de voltar a nossa terra, estamos aqui a 8 meses, mas sabe quando vc olha ao teu redor , se sente feliz mas parece que não é mais o teu lugar, que tudo mudou mas parece igual..enfim.. Estou doida para colocar o pé na estrada novamente e procurando informações sobre o Canadá.. Encontrei o teu blog !! Que amei. Obrigada por clarear as minhas ideais .. Bjs

  7. Carla Granato disse:

    Livi, adorei o seu post. Exatamente assim que me sinto, depois de morar em tantos lugares (Br, Vancouver, Toronto agora..e já estamos nos mudando de novo!). Nos falamos antes de eu vir para cá, quando ainda estava lá do outro lado na costa oeste canadense. Ficamos poucos meses aqui, chegamos em outubro e logo tivemos a notícia que seria uma temporada curta, já que meu marido teria outro trabalho mais à frente. Pena não termos nos encontrado, mas quando achei que ia me assentar, já estmos de partida novamente. Mas não será para longe, estamos nos mudando para Buffalo, aqui na fronteira americana. Se for passear por lá será um prazer conhecê-la pessoalmente! Fiz até blog novo para nossas aventuras em Toronto…
    Beijos

  8. Lana disse:

    Nossa Livi, que legal isso que você escreveu. Tô quase me sentindo assim…

  9. “o imigrante será sempre dois pedaços de uma mesma pessoa, um em cada canto”

    expressou de forma muito bonita um tanto como me sinto, Livi. Este mês fez 10 anos desde a nossa mudança pra cá. Feliz pelas flores que cruzaram o meu caminho. 😉 🙂

  10. Dayane disse:

    Oi Livi,

    cheguei por aqui recentemente e estou adorando o seu blog.
    Parabens

Deixe um Comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.